"Vem, Pai dos pobres; vem, Dador de graças; vem, Luz dos corações". Assim reza a liturgia na solenidade do Pentecostes, cantando a glória do Espírito Santo e a plenitude dos seus dons.
Essas palavras exprimem não só a grandeza de Deus, mas também as necessidades e aspirações das almas, que desejam ardentemente a luz, a alegria sem fim, a plenitude. A união entre a riqueza infinita de Deus e a nossa limitação contém um grande ensinamento. Com efeito põe em relevo que ficaríamos aquém na compreensão do que significa desejar ou amar se prestássemos atenção apenas à situação de indigência do homem. E mais ainda se interpretássemos essa indigência como fruto de um distanciamento que Deus tivesse querido estabelecer e manter entre Ele mesmo e a criatura; Deus, lá nos céus, onde tudo é esplendor e alegria; o homem cá na terra, experimentando a inquietação, a dor e a mágoa. Nada mais longe da realidade. Todos saímos – cada uma, cada um – das mãos amorosas de um Deus que é nosso Pai, que enviou o seu Filho ao mundo para nos salvar, e que derramou o seu Espírito para que nos ilumine e nos guie no caminho que conduz até Ele.
Em nós, em cada um de nós, renovou-se esse momento sublime de amor divino que o livro do Génesis recolhe ao relatar a criação do homem. Deus olhou-nos com aquele afeto de predileção com que olhou a figura inanimada, feita de barro da terra, à qual insuflou «alento de vida»; quer dizer não apenas a capacidade de movimento, mas também um sopro, uma força, um espírito que vinha d’Ele e que permitia aspirar a outra vida cheia de grandeza, participando da natureza divina da Santíssima Trindade.
É verdade: o Espírito divino consola-nos no sofrimento, tira-nos do perigo, anima-nos na angústia, fortalece-nos na provação.
Depois da queda dos nossos primeiros pais, Deus não nos retirou o seu carinho, antes, por assim dizer, o renovou e ampliou; e uma vez realizada a Redenção, enviou-nos da Cruz de Cristo o seu Espírito, o seu próprio Amor. A maravilha daquele primeiro dia de Pentecostes atualiza-se na nossa própria alma pelo Batismo e pela Confirmação. «Também nós – lemos numa das cartas apostólicas – éramos noutro tempo insensatos, desobedientes, extraviados [...]. Mas quando se manifestou a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor aos homens, salvou-nos, não pelas obras justas que nós tivéssemos feito, mas pela sua misericórdia, mediante o banho da regeneração e da renovação no Espírito Santo, que derramou copiosamente sobre nós, por meio de Jesus Cristo nosso Salvador».
A partir do momento do Batismo – simples e grandioso ao mesmo tempo – o Espírito Santo começa a atuar em nós, incitando-nos para que a nossa vida caminhe de acordo com a de Jesus. Pensemos nessa ação sobrenatural que amadurece na alma, inclusivamente quando, meninos recém-nascidos, somos inábeis para raciocinar a agradecer. Demos graças agora, já crescidos nos anos e na fé, respondendo com generosidade a essa ação pela qual o Espírito nos torna filhos do Pai no Filho.
O DOM DO ESPÍRITO SANTO
O apóstolo S. João escreveu umas palavras cheias de força e de fogo: “Deus é Amor.” Nessa frase na qual parece culminar a revelação cristã, encontramos o melhor preâmbulo a qualquer meditação sobre o Espírito Santo.
Para interpretar corretamente esse texto e, de modo especial, para aprofundar no seu conteúdo, recordemos a premissa com que o Apóstolo a introduz: «Quem não ama não chegou a conhecer a Deus». Amar é, evidentemente, condição indispensável para conhecer a um Deus que é Amor: não se pode conhecer o amor a não ser a partir do amor e participando do amor.
O Espírito Santo revela-se na Santíssima Trindade precisamente como o próprio Amor com que o Pai e Filho se amam mútua e eternamente; ou, em expressão de Santo Agostinho, como a comunhão inefável entre o Pai e o Filho, o nexo entre as duas primeiras Pessoas, cuja profundidade e intensidade nos transcendem de tal maneira que superam o que a linguagem humana é capaz de exprimir. Mas na graça – prossegue Santo Agostinho – «este abraço inefável do Pai e a sua Imagem [...] difunde-se com infinita liberalidade e abundância por todas as criaturas»; e deste modo, em virtude da acção do Espírito Santo nas nossas almas, comunica-se-nos o que não podíamos alcançar: o conhecimento de Deus e do seu Amor e, em última análise, a comunhão com as três Pessoas divinas.
«Se alguém Me ama – declarou Jesus Cristo na demorada e intima conversa que teve com os discípulos na Última Ceia, já a caminho da Paixão – guardará a minha palavra, e o Meu Pai o amará e viremos a ele e faremos nele a nossa morada». Esse é o mistério sublime que se realiza na alma em graça, ao qual o Papa João Paulo II, no decurso de uma audiência, qualificou como «a maior e mais santa realidade na espiritualidade religiosa do cristianismo». Deus, a Trindade – o Pai e o Filho com o Espírito de amor que os une – inabita na alma de quem vive de acordo com a palavra de Cristo, actua nas nossas potências, fomenta os nossos pensamentos, dá força aos nossos projectos, eleva os nossos afectos. Se acolher esse dom, se abrir a sua liberdade a essa graça divina, o homem diviniza-se. Sob a acção do Paráclito, todos os seus atos – grandes ou pequenos – se convertem em manifestações de amor, de amor a Deus e de amor aos outros.
Neste derramar-se da Trindade sobre as criaturas, o Espírito Santo, dom primeiro e fonte dos outros dons, marca a ação de Deus no mundo – na história, na vida da Igreja, em cada alma – com o sinete do amor, do qual Dante cantou que move não só os homens, mas também «o sol e as outras estrelas». É um amor que tudo atrai e tudo unifica. Se considerarmos que o Espírito Santo é, na vida intratrinitária, vínculo que une o Pai e o Filho, comunhão consubstancial e coeterna do Pai e do Filho, compreenderemos que a unidade oculta um dos reflexos mais próprios da presença de Deus em nós: unidade da vida pessoal, coerência de cada um dos nossos atos com a fé que professamos, com a unidade da Igreja, com a unidade afetiva e efetiva com os nossos irmãos os homens.
Atrever-me-ia a dizer que este amor à unidade, sinónimo ao mesmo tempo de espírito universal, de abertura de mente e de coração, contém uma parte importante do que espera dos cristãos a humanidade de hoje, sulcada por divisões e particularismos de toda a espécie. Também sob este ponto de vista, o Espírito Santo se revela como dom de Deus, como presente necessário para o mundo. Pensar na terceira Pessoa da Trindade não significa meter-se em questões longínquas, apenas próprias de almas singulares; significa alcançar a perspectiva mais alta possível para compreender com profundidade o homem e a história, para entender as aspirações e os sentimentos que brotam do coração e para enfrentar as tarefas que a actividade diária e as grandes encruzilhadas da história colocam a cada um.
Jesus prometeu aos seus: «Convém-vos que eu me vá, pois se eu não me for, o Paráclito não virá a vós. Se, porém, eu me for, enviar-vo-lo-ei» (Jo. 16,7). A vinda do Espírito Santo – o Consolador, pois é esse o significado do termo grego Paracletos – coroa o desígnio da criação e da redenção, completa a missão de Cristo e instaura a comunicação definitiva de Deus com os homens.
DOCILIDADE AO ESPÍRITO SANTO
O amor que o Espírito Santo infunde nos corações – amor para o qual fomos criados e no qual encontramos a felicidade – mantém um querer verdadeiro; não um sentimento vago, superficial, passageiro, não acompanhado palas obras, mas um afeto generoso que leva à entrega. É essa a essência do viver cristão, como lembra frequentemente João Paulo II citando uma conhecida passagem do Concílio Vaticano II: «O homem, única criatura terrestre que Deus amou por si mesma, não pode encontrar a sua própria plenitude a não ser na entrega sincera de si mesmo».
Deus, que se entregou por nós, deseja que nos entreguemos a Ele. Deus dirige a cada um as palavras que S. Paulo escreveu aos fiéis de Corinto: «Não procuro os vossos bens, procuro-vos a vós». S. Josemaria expressava deste modo essa mesma ideia: «Jesus não se satisfaz “ partilhando”: quer tudo». O panorama, à primeira vista, pode assustar-nos; se, porém, tivermos presente que o próprio Deus que reclama a nossa entrega a torna possível com os seus dons, com o dom de si mesmo, dar-nos-emos conta de que converter a nossa vida numa oferenda grata a Nosso Senhor está realmente ao nosso alcance.
A graça que se nos concedeu com a efusão do Espírito Santo habilita-nos a amar a Deus sem reservas, com esse amor que, como vimos, à participação daquele com que Deus Pai nos amou até enviar o seu Filho para que se fizesse homem e derramasse o seu sangue por nós.
Quando a alma, movida pelo Espírito Santo, orienta toda a sua existência segundo as exigências do amor, o que Deus pode pedir-lhe já não se considera um conjunto de renúncias, pesos e sacrifícios, mas de oportunidades para encontrar a Deus e unir-se mais a Ele. A maturidade do sentido cristão alcança-se precisamente através da vitória do amor, que renuncia ao medo, ao egoísmo ou, pelo menos, à desconfiança.
Mas, como em tudo, na vida espiritual não há vitória sem luta; uma luta que se estende ao longo de toda a existência. Com efeito, estamos apegados a nós mesmos e, com a nossa vista curta, tendemos a considerar as coisas ao nível da terra, a deixar-nos enganar pela satisfação de um momento ou a afirmação do nosso eu, em vez de abrirmos o coração à grandeza dos planos amorosos de Deus. Nesse itinerário do nosso crescimento espiritual, o Paráclito não deixa sequer um instante de nos dar o seu impulso. A única coisa que é necessária é que nós sejamos dóceis às suas inspirações.
A pessoa que procura secundar as moções do Espírito Santo experimenta a eficácia da sua ajuda. Aquilo que parecia impossível alcança-se, e aquilo que parecia duro converte-se em ponto de partida para uma resposta generosa. Há um hino litúrgico que invoca o Paráclito como «doce hóspede da alma, descanso no nosso esforço, trégua no trabalho duro, brisa nas horas de fogo, gozo que enxuga as lágrimas e reconforta nas aflições». É verdade: o Espírito divino consola-nos no sofrimento, tira-nos do perigo, anima-nos na angústia, fortalece-nos na provação. Com a sua assistência as dificuldades deixam de cair como peso que esmaga, para se converterem em ocasião de entrega; mais ainda, em encontro com Jesus. E deste modo o que custava transfigura-se na Cruz de Cristo e o esforço enche-se de sentido.
Alguns teólogos descreveram o papel do Espírito Santo na vida cristã com a metáfora do barco: as virtudes sobrenaturais do cristão, presentes na alma pelo Baptismo, são representadas pelos remos, que reclamam para o seu manejo, o esforço e a fadiga; os dons do Espírito Santo seriam as velas impelidas pela força do vento. A trajectória da santidade cristã exige luta – peleja gozosa, não resignada – porque o amor, a felicidade verdadeira, não abre caminho sem empenho e os resíduos do pecado não se vencem sem uma vontade decidida. Mas Deus Espírito Santo ajuda-nos em todos os momentos, concede-nos a força e, com o crescer da graça, se nos convier, far-nos-á sentir também as suas consolações.
A ação do Paráclito mostra-se doce, discreta. Não elimina a liberdade da criatura – pressupõe-na sempre – mas revela toda a sua potência divina se encontra a nossa cooperação. A Escritura ilustra a sua intervenção recorrendo à metáfora do vento, umas vezes impetuoso, outras vezes suave, mas sempre activo e eficaz; à do fogo que purifica e abrasa; à da água que jorra até à vida eterna...Imagens que devem despertar em nós uma atitude firme de esperança, de certeza, de plena confiança nesse Deus que nos quer santos.
Na primeira epístola de S. João aparecem estas palavras: «O amor de Deus consiste precisamente em guardarmos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são pesados». Talvez ao lê-las alguém se surpreenda ou pense que tropeça num paradoxo insolúvel: colocar o amor em relação com o cumprimento de determinados mandamentos não equivale a negar a espontaneidade do amor? A resposta diáfana é-nos dada por outra passagem da Escritura, do livro de Ezequiel, que contém uma promessa divina: «Dar-vos-ei um coração novo, infundirei em vós um espírito novo e farei que vos conduzais segundo os meus preceitos e observeis e pratiqueis as minhas normas».
A Tradição da Igreja leu nesta profecia a promessa do dom do Espírito Santo. Deus manda o amor porque – recordava-o antes – Ele mesmo é Amor; porque nos criou à sua imagem; porque somos feitos para amar; porque enviou o seu Filho para que, entregando-se, nos deixasse o testemunho da plenitude do seu amor; porque envia constantemente aos nossos corações o Espírito Santo, para que nos divinize e nos comunique o próprio amor de Deus.
No seu diálogo com a samaritana junto ao poço de Sicar, perante as objecções que aquela mulher opunha ao convite de Jesus a beber dessa «água viva», a abrir-se à graça do Espírito Santo – e não era questão fácil, pois para ela converter-se representava mudar radicalmente de conduta, depois de amargos fracassos e de ter mergulhado o seu coração em tantos charcos – Nosso Senhor exclamou: «Se conhecesses o dom de Deus!» Santo Agostinho, glosando esta e outras passagens, comenta no seu tratado sobre a Trindade que essa palavra, dom, é nome próprio do Espírito Santo: dom do Pai ao Filho e do Filho ao Pai, e fonte de todos os dons que Deus nos concede. Se conhecêssemos o dom de Deus! Se fôssemos conscientes da força de Deus presente em nós graças ao envio do Espírito Santo, compreenderíamos cada vez melhor que Deus torna possíveis com a sua graça, essas metas que a nossa debilidade nos apresenta como inalcançáveis.
Quantas almas se afastam da aventura maravilhosa da santidade pelo desânimo e a desconfiança! Pelo contrário, que frutos extraordinários procedem da esperança, da determinação de procurar no Espírito a força que nos falta! Não esqueçamos que o dom do Espírito, que, sem dúvida, sopra quando e onde quer, se comunica de modo singular através dos canais da graça, os sacramentos, que Jesus confiou à Igreja, e nos quais Ele, como Senhor, atua com o seu poder soberano. Aí o nosso caminho na terra encontra as sendas de Deus: sendas que Deus percorre juntamente conosco e em nós. Transitemos por elas sempre com fé, sem levantar obstáculos. Amemos a Igreja, tenhamos fé na Igreja, e dar-se-nos-á o Espírito Santo.
"O Espírito Santo, Amor que leva ao Amor". Javier Echevarría, 'Itinerarios de vida cristã', Editorial Diel, 2007 (Cap. 3). Texto sobre a Terceira pessoa da Santíssima Trindade, o 'Grande Desconhecido'.
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