Antes de mesmo entrar, diretamente, no tocante da combatividade profética e o profetismo na atualidade, como voz profética e ação poderosa de Deus pelo anúncio inflamado, precisamos compreender o que foi o caráter profético na antiga aliança, para sabermos, com mais exatidão, o que forma o caráter profético e o que somos hoje. Primeiro, o movimento profético, em si. Depois, as pessoas que compuseram esse movimento profético. Em contrário, corríamos o risco de discutir um assunto que não ficará bem claro, tamanha a diversidade de conotações que o termo recebe em nossos dias. E não chegaríamos a um ponto proveitoso em nossa avaliação.
Para alguns em nossos dias, o profeta é uma pessoa dotada de uma ação sobrenatural que lhe permite adivinhar coisas - Profecia, que nesta perspectiva, é adivinhação. É assim o conceito secular, no entendimento de pessoas sem o conhecimento do sentido bíblico da expressão. Da mesma forma, era esse o conceito de profeta entre os povos pagãos o chamado lecanomancia ou leitura do futuro pela figura do azeite derramado numa taça sagrada, ou ainda a hepatoscopia que era a leitura do futuro pelos riscos do fígado de animais sacrificados aos ídolos, o uso de árvores sagradas, como os cananeus faziam com os carvalhos (Gn 12, 6 - Moreh, em hebraico, significa “mestre”), sonhos após alucinógenos, a interpretação do vôo dos pássaros, tudo isto fazia parte do ofício profético pagão.
1. O Profetismo na Antiga Aliança
primeiro homem chamado de “profeta” surge, com o termo no hebraico, ‘navi’ que é atribuído a Abraão (Gn 20, 7) pelo testemunho que o próprio Deus dá a Abimeleque - “restitui a mulher a seu marido, porque é um profeta”. Abraão é visto como profeta nacional, nesse mesmo sentido tem um outro ‘navi’ que é Moisés, que inclusive, torna-se o padrão para os demais profetas. Em Dt 18, 15 se lê: “o Senhor teu Deus te suscitará um ‘navi’ como eu, do meio de ti, de teus irmãos. A ele ouvirás”. Esta palavra é digna de atenção especial porque é a única referência, na Torah, à profecia como instituição. Por isso que requer nossa atenção, porque Moisés nos é mostrado como o padrão profético. Tal expressão parece vir do verbo ‘nivva’, que teria vindo do acadiano ‘navvu’, que significa chamar, nomear. O verbo ‘nivva’ significaria, então, o ato de designar alguém como arauto. Que sentido maravilhoso, o primeiro significado bíblico para profeta, na antiga aliança, seria o de proclamar, o de anunciar, fazendo assim o papel de um ARAUTO. O primeiro ‘navi’ tem uma relação próxima com Deus e é um peregrino. Porém, o segundo ‘navi’ também tem uma relação próxima com Deus, é peregrino, também, mas já é arauto, o que o primeiro não foi.
Outro termo no hebraico para “profeta” é o ‘ish Elohim’, homem de Deus que classifica como um reconhecimento que os outros faziam do profeta, o qual é mostrado como uma pessoa de confiança de Deus e as pessoas vêem isso em seu testemunho de vida. Não é ele quem se proclama assim. Na realidade, o profeta não alardeava sua condição profética. As pessoas viam isso por ter uma autoridade que o tornava alguém credenciado.
Duas palavras hebraicas expressam o profeta como vidente, o que requereria uma maior observância: ‘ro’eh’ e ‘hozeh’, ambas com o sentido de vidente. ‘Ro’eh’, o termo mais comum, deriva do verbo “ver” como em Am 7, 12 no qual Amasias chama a Amós de ‘ro’eh’: “Vai-te, ó vidente (ro’eh), foge para a terra de Judá, e ali come o teu pão, e ali profetiza”. Nem sempre o termo está associado com vidência. É muito mais uma interpretação dos eventos ou a compreensão de algo mais profundo numa visão comum relacionada ao discernimento. Pois o profeta é aquele que vê o que os outros não vêm. Nós, como profetas, somos chamados, em meio a uma cultura banalizada, que acha tudo normal, a denunciar a injustiça e as condutas imorais em um mundo marcado pela cultura de morte que defende a união conjugal de homossexuais, na descriminalização de drogas, na liberação total de costumes, aborto, tudo isso mostrado com tolerância e progresso, e vê as conseqüências, vê o que os outros não conseguem ou não querem ver e quase sempre, é uma voz contra a multidão, um solitário, um rejeitado. Na LXX são traduzidos os três termos, ‘navi’, ‘ro’eh’, ‘hozeh’ por ‘prophetês’, vendo-os em uma única direção no sentido é “falar por alguém”. Diria que expressa bem o caráter profético na sua essência ou raiz. Não muito comumente, aparecem também três termos hebraicos: ‘sophi’im’, significando atalaia (Jr 6,17; Ez 3,17; 33,2.6.7); ‘shomer’, significando atalaia, sentinela, guarda (Is 21, 11-12; 62, 2) e ‘raah’, significando pastor (Jr 23, 4; Ez 34, 2-10; Zc 11, 5.16).
Em suma, o profeta é um homem de Deus, por Ele indicado, é um homem que vê além dos demais, que tem inquietude interior, que entende, que vem como arauto. É também uma sentinela no serviço e um pastor, que cuida do rebanho. E sem dúvida sabe como as coisas devem ser e sabe das consequências de não serem como devem. Tem uma relação de guarda com o povo de Deus, adverte e ensina. Nem sempre é amado pelos homens, mas mesmo assim segue com sua missão.
2. A função do profeta hoje
Para que a proclamação da Palavra seja eficaz, é necessário que ela se faça com a força impactante da profecia, com audácia (parhessia), capaz de ressoar nas raízes da pessoa lá onde Deus plantou o desejo de encontrá-lo. Ao ouvir o querigma a pessoa deveria poder experimentar a Morte e Ressurreição do Senhor como mistério que a envolve e lhe afeta profundamente a própria existência. Quem o proclama, se não o faz de dentro desta mesma experiência, não estará falando de uma realidade atual que lhe toca as raízes e, por isso, tornasse incapaz de fazer uma proclamação que leve à conversão (Doc 80, pág. 26). Sem dúvida a voz profética da igreja é uma indicação ao exercício do nosso ministério, que de fato, por meio de um anúncio inflamado, ousado, mudará as realidades atuais com combatividade e mais do que nunca a pregação ousada, parte daquilo que cremos e cremos naquilo que experimentamos, por formar assim o nosso caráter, a identidade ou ainda o selo do pregador, pois anunciar o Evangelho não é glória para nós; é uma obrigação que nos é imposta. Ai de nós, se eu não anunciarmos o Evangelho! (Cf. I Cor 9, 16).
O profeta tem como missão hoje de encorajar o povo de Deus a confiar exclusivamente na graça, e no Seu poder, como também avisar ao povo que sua segurança depende da fidelidade à aliança pelo sangue de Cristo, o dever de encorajar Israel (a igreja) é constitutivo da nossa pregação que tornará presente na vida das pessoas as coisas eternas. Somos chamados a sermos criadores da esperança, anunciadores de que o povo de Deus deve ser preparado para Ele na glória, mesmo que no momento presente seja ela incutida pelo mau testemunho de alguns dos seus membros, porém não seja acuada pela pressão de um mundo ímpio. Isto nos põe diante de uma verdade que não se pode ignorar devemos encorajar o povo a permanecer fiel no compromisso com Deus, a confiar Nele e não arrefecer de sua missão neste mundo.
Assim como Novo Testamento, encontramos profetas na Igreja e a profecia é mostrada sendo um dom ou carisma como o exemplo mostrando na missão de Paulo (At 21, 11-12) e vemo-lo profetizando uma grave fome no Império Romano (At 11, 27-30). Mas o fato está aqui: a Igreja está edificada sobre o fundamento dos “apóstolos e profetas” (Ef 2, 20), como a comunidade do passado, Israel, estava edificada sobre “sacerdotes e profetas”. Do sacerdotalismo judaico, que é o levitismo do templo, cede lugar à Palavra profética. Constituir o profetismo nos tempos de hoje é reviver a angústia de Jeremias revelado em um homem que vê o que está por acontecer ao seu povo e que sofre com isso, que é tomado de uma inquietude interior. Ele não se alegra com o que vê, mas chora por causa dela: “Ah! Minhas entranhas! Minhas entranhas! Eu me contorço em dores. Oh! As paredes do meu coração! Meu coração se agita! Não posso calar-me, porque ouves, ó minha alma, o som da trombeta, o alarido de guerra” (Jr 4, 19).
“Por isso, nós, como discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o Evangelho, que é o próprio Cristo. Anunciamos a nossos povos que Deus nos ama, que sua existência não é uma ameaça para o homem, que Ele está perto com o poder salvador e libertador de seu Reino, que Ele nos acompanha na tribulação, que alenta incessantemente nossa esperança em meio a todas as provas. Os cristãos são portadores de boas novas para a humanidade, não profetas de desventuras” (DA 29). O profeta é um embaixador de Cristo inserido no povo de Deus com a missão de conduzir-los na Palavra de Deus e na doutrina da Igreja para os preceitos da aliança, e proclama, em nome de Deus, a maneira correta de proceder. Ele fala não apenas em nível individual, mas também em nível coletivo em uma instrução voltada à conversão. Pois denuncia o pecado individual e estrutural e aponta o caminho correto: o arrependimento.
“Porque não ousaria mencionar ação alguma que Cristo não houvesse realizado por meu ministério, para levar os pagãos a aceitar o Evangelho, pela palavra e pela ação, pelo poder dos milagres e prodígios, pela virtude do Espírito. Vê-lo-ão aqueles aos quais ainda não tinha sido anunciado; conhecê-lo-ão aqueles que dele ainda não tinham ouvido falar” (Rm 15, 18-19a.21b)
Por James Apolinário
Coordenador estadual da RCC do Ceará
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