Estudo: A Cólera Divina

Frutos Proíbidos: As Vinhas da Ira
Por que um Deus misericordioso castigaria desse jeito? Por que atribuímos essa ira ao Cordeiro divino, a própria imagem da indulgência? Porque a ira de Deus é misericórdia? Mas, para entender esse paradoxo, precisamos primeiro examinar a psicologia do pecado, com alguma ajuda de são Paulo.
O uso que Paula faz da palavra "cólera" (sinônimo de "ira") na Epístola aos Romanos é esclarecedor: "Com efeito, a cólera de Deus se revela do alto do céu contra toda impiedade e toda injustiça dos homens que mantêm a verdade cativa da injustiça; pois o que se pode conhecer de Deus é para eles manifesto: Deus lho manifestou... eles são pois inescusáveis, visto que, conhecendo a Deus, não lhe renderam nem a glória, nem a ação de graças que são devidas a Deus; pelo contrário, eles se transviaram em seus vãos raciocínios e o seu coração insensato se tornou presa das trevas" (Rm 1, 18-21).
Isso resume bem o "caso" contra Jerusalém apresentado no tribunal celeste: Deus deu a Israel sua revelação, na verdade a plenitude de sua revelação em Jesus Cristo; porém o povo não lhe rendeu glória nem lhe deu graças; na verdade, suprimiram a verdade, ao matar Jesus e perseguir sua Igreja. Assim, "a cólera de Deus se revela" conta Jerusalém.

Viciado em Uma Fraqueza
Bem, sim, e essa é uma terrível manifestação da cólera de Deus. Talvez pensemos que os prazeres do pecado sejam preferíveis ao sofrimento e à calamidade, mas eles não são.
Temos de reconhecer o pecado como a ação que destrói nosso laço de família com Deus e nos afasta da vida e da liberdade. Como isso acontece?
Primeiro, temos a obrigação de resistir à tentação. Se fracassamos e pecamos, temos a obrigação d enos arrepender imediatamente. Se não nos arrependemos, então Deus nos deixa conseguir o que queremos: permite que experimentemos as consequências naturais de nossos pecados, os prazeres ilicitos. Se ainda não nos arrependemos - por meio da abnegação e de atos de penitência -, Deus nos permite continuar no pecado, desse modo formando um hábito, um vício, que escurece nosso intelecto e enfraquece nossa vontade.
Quando nos viciamos num pecado, nossos valores viram de ponta-cabeça. O mal se torna nosso "bem" mais indispensável, nosso anseio mais profundo; o bem representa um "mal" porque ameaça impedir-nos de satisfazer nossos desejos ilícitos. A essa altura, o arrependimento é quase impossível, pois ele é,  por definição, o afastamento do mal em direção ao bem; mas, a essa altura, o pecador redefiniu completamente o bem e o mal. Isaías disse a respeito desses pecadores: "Ai dos que chamam de bem o mal e de mal, o bem" (Is 5,20).
Quando adotamos o pecado dessa maneira e rejeitamos nossa aliança com Deus, só uma calamidade nos salva. Às vezes, a coisa mais misericordiosa que Deus faz a um beberrão, por exemplo, é permitir que destrua o carro ou seja abandonado pela esposa - qualqer coisa que o force a aceitar a responsabilidade por seus atos.
O que acontece, no entanto, quando toda uma nação cai em pecado sério e habitual? O mesmo princípio entra em ação. Deus intervém e permite depressão econômica, conquista estrangeira ou catástrofe natural. Com bastante frequência, uma nação provoca esses desastres por seus pecados. mas, de qualquer modo, esses são os mais misericordiosos chamados ao despertar. Às vezes, o desastre significa que o mundo que os pecadores conheciam precisa desaparecer. Mas, como Jesus disse: "E que proveito terá o homem em ganhar o mundo inteiro, se o paga com a própria vida?" (Mc 8,36). É melhor dizer adeus a um mundo de pecado do que se perder sem esperança de arrependimento.
Quando as pessoas lêem o Apocalipse, assustam-se com terremotos, gafanhotos, fomes e escorpiões. Mas Deus só permite essas coisas porque nos ama. O mundo é bom - não se engane quanto a isso -, mas o mundo não é Deus. Se permitirmos que o mundo e seus prazeres nos governem como um deus, a melhor coisa que o Deus verdadeiro pode fazer é começar a tirar as pedras que formam o alicerce de nosso mundo.

Ordem no Tribunal
No entanto, um mundo melhor aguarda os justos e os sinceramente arrependido. Levar uma vida boa não é viver libre de problemas, mas sim viver livre de preocupações desnecessárias. Catástrofes acontecem aos cristãos, do mesmo modo que coisas boas parecem acontecer aos ímpios. Porém, para um cristão praticante, até os desastres são bons, pois servem para nos purificar de nosso apego a este mundo. Talvez só quando vamos à falência paramos de nos preocupar com o dinheiro. Só quando somos abandonados pelos amigos paramos de tentar impressioná-los. Quando o dinheiro acaba, voltamos à única coisa que ninguém tira: nosso Deus. Quando nossos amigos nos viram as costas, voltamo-nos, finalmente, para o Amigo constante - aquele que não conseguimos impressionar porque Ele nos conhece por inteiro.
Como o Apocalipse revela, o Juiz sabe tudo sobre nós. O julgamento não é só para Jerusalém. "Ainda outro livro foi aberto: o livro da vida, e os mortos foram julgados segundo suas obras, de acordo com o que estava escrito nos livros" (20,12). Um dia, você e eu seremos contados entre "os mortos" e seremos julgados por nossas obras. Alhures no Apocalipse, vemos que os santos entram no céu e "suas obras os acompanham" (14,13). Nossas obras são parte integrante de nossa salvação; na verdade, serão a essência de nosso julgamento.
Além do mais, não temos de esperar até morrer para ser julgados. Ficamos diante do trono do julgamento sempre que nos aproximamos do céu, como fazemos em todas as missas. Também então imploramos a perfeita misericórdia, que é a justiça perfeita, de nosso Pai celeste. também então recebemos a taça - para nossa salvação ou nosso castigo.
Devemos recordar o julgamento do Apocalipse sempre que ouvimos as palavras da instituíção,m que são as palavras de Jesus: "Este é o calice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança".

(O Banquete do Cordeiro, Scott Hahn)

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