Não se Pode Anunciar a Palavra de Deus Sem Escutá-la

Senhores cardeais,
venerados irmãos no episcopado e no sacerdócio,
queridos irmãos e irmãs.

          Dirijo minha mais cordial saudação a todos os que participam do congresso sobre «A Sagrada Escritura na vida da Igreja», convocado por iniciativa da Federação Bíblica Católica e pelo Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos para comemorar o quadragésimo aniversário de promulgação da constituição dogmática sobre a Revelação divina, «Dei Verbum». Felicito-vos por esta iniciativa, pois faz referência a um dos documentos mais importantes do Concílio Vaticano II.
          Saúdo os senhores cardeais e os bispos que são as testemunhas primárias da Palavra de Deus, os teólogos que a investigam, explicam-na e a traduzem na linguagem atual, os pastores que buscam nelas as soluções adequadas aos problemas de nosso tempo. Agradeço de coração a todos os que trabalham ao serviço da tradução e da difusão da Bíblia, oferecendo os meios para explicar, ensinar e interpretar sua mensagem. Neste sentido, dirijo um agradecimento especial à Federação Bíblica Católica por sua atividade, pela pastoral bíblica que promove, pela adesão fiel às indicações do Magistério e pelo espírito aberto à colaboração ecumênica no campo bíblico. Expresso minha profunda alegria pela presença no Congresso dos «delegados fraternos» das igrejas e das comunidades eclesiais do Oriente e do Ocidente e saúdo com cordial deferência os que intervêm em representação das grandes religiões do mundo.
          A constituição dogmática «Dei Verbum», de cuja elaboração fui testemunha ao participar em primeira pessoa como jovem teólogo nas vivazes discussões que a acompanharam, abre-se com uma frase de profundo significado: «Dei Verbum religiose audiens et fidenter proclamas, Sacrosancta Synodus…» («O Santo concílio, escutando religiosamente a palavra de Deus e proclamando-a com confiança», ndt]. São palavras com as quais o Concílio indica um aspecto qualificador da Igreja: é uma comunidade que escuta e anuncia a Palavra de Deus. A Igreja não vive de si mesma, mas do Evangelho e encontra sempre e de novo sua orientação nele para seu caminho. É algo que cada cristão tem de ter em conta e aplicar-se a si mesmo: só quem escuta a Palavra pode converter-se depois em seu anunciador. Não deve ensinar sua própria sabedoria, mas a sabedoria de Deus, que com freqüência parece estupidez aos olhos do mundo (Cf. 1 Corintios 1, 23).
          A Igreja sabe bem que Cristo vive nas Sagradas Escrituras. Precisamente por este motivo, como sublinha a Constituição, sempre tributou às Escrituras divinas uma veneração parecida à dedicada ao mesmo Corpo do Senhor (Cf. «Dei Verbum», 21). Por esta razão, São Jerônimo dizia com razão algo que cita o documento conciliar: a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo (Cf. «Dei Verbum», 25).
          Igreja e Palavra de Deus estão inseparavelmente unidas entre si. A Igreja vive da Palavra de Deus e a Palavra de Deus ressoa na Igreja, em seu ensinamento e em toda sua vida (Cf. «Dei Verbum», 8). Por este motivo, o apóstolo Pedro nos recorda que «nenhuma profecia da Escritura pode interpretar-se por conta própria; porque nunca profecia alguma veio por vontade humana, mas que homens movidos pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus» (2 Pd 1, 20).
          Damos graças a Deus porque nestes últimos tempos, graças também ao impulso dado pela constituição dogmática «Dei Verbum», foi reavaliada mais profundamente a importância fundamental da Palavra de Deus. Disto se derivou uma renovação na vida da Igreja, sobretudo na pregação, na catequese, na teologia, na espiritualidade e no caminho ecumênico. A Igreja deve renovar-se sempre e rejuvenescer e a Palavra de Deus, que não envelhece nunca nem se esgota, é o meio privilegiado para este objetivo. De fato, a Palavra de Deus, através do Espírito Santo, guia-nos sempre de novo para a verdade plena (Cf. João 16, 13).
          Neste contexto, queria evocar particularmente e recomendar a antiga tradição da «Lectio divina»: a leitura assídua da Sagrada Escritura acompanhada pela oração permite esse íntimo diálogo no que, através da leitura, escuta-se Deus que fala, e através da oração, se lhe responde com uma confiada abertura do coração (Cf. «Dei Verbum», 25). Se se promove esta prática com eficácia, estou convencido de que produzirá uma nova primavera espiritual na Igreja. Como ponto firme da pastoral bíblica, a «Lectio divina» tem de ser ulteriormente impulsionada, inclusive mediante novos métodos, atentamente ponderados, adaptados aos tempos. Não há que esquecer nunca que a Palavra de Deus é lâmpada para nossos passos e luz em nosso caminho (Cf. Salmo 118/119, 105).
          Ao invocar a benção de Deus para vosso trabalho, para vossas iniciativas e para o congresso no qual participais, uno-me ao desejo que vos alenta: «que a Palavra do Senhor siga propagando-se» (Cf. 2 Tessalonicenses 3, 1) até os confins da terra para que, através do anúncio da salvação, o mundo inteiro, ouvindo, creia no anúncio da salvação; crendo, espere, e esperando, ame (Cf. «Dei Verbum» 1). De todo coração, obrigado.

(Discurso de Bento XVI aos participantes de um congresso nos 40 anos de publicação da «Dei Verbum»)

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